Porque Escrever um Blog?
- Américo Júnior
- 7 de ago. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de ago. de 2024
Ultimamente tenho pensado muito em organizar algumas ideias na forma escrita. Na verdade, até tenho alguns textos escritos, mas se encontram friamente escondidos em arquivos digitais, os quais, só acabo por acessar num daqueles raros momentos em que paramos para olhar os rastros que deixamos no mundo.
No entanto, reside em mim uma vontade de ser lido. Na verdade, de ser lido em determinado contexto. Não porque eu acho que aquilo que penso seja de suma importância para o mundo. Até andei escrevendo umas baboseiras no instagram quando utilizava essa rede social, mas escrever ali me gerava uma série de incômodos, porque essa rede não foi desenhada para a produção de textos.
De forma geral, quem acessa o instagram está lidando com propagandas, seja de pessoas jurídicas ou pessoas físicas. Ali é um espaço publicitário por excelência, e a publicidade é um elo entre um consumidor e um produto, seja esse produto um objeto, uma ideia ou um modo de vida. Por esse motivo, é importante pensar que essa dinâmica das redes sociais acaba por ser bastante influente na maneira como nos relacionamos com nossas próprias vidas.
Ao rolarmos nossa timeline, paramos muito pouco tempo para visualizar cada foto ou vídeo que nos é apresentado. Nesse sentido, em um pequeno intervalo de tempo, somos submetidos a uma grande quantidade de estímulos visuais e sonoros. Por esse motivo, a dinâmica da comunicação social nos induz a buscar vídeos cada vez mais curtos e textos cada vez menores, acelerando a entrega da mensagem à custa da supressão das nuances e de qualquer elaboração estética.
De acordo com o professor Auterives Maciel, está cada vez mais raro a vivência de “experimentações sensoriais que nos retirem do âmbito dos hábitos consolidados pelos interesses práticos, que condicionam automatismos puramente interesseiros e comprometidos com uma inteligência viciada em representações que são verdadeiros clichês – circuitos já trilhados a serviço da recognição da realidade”. Ou seja, enquanto somos entretidos nas redes, estamos aprendendo/ nos condicionando a não nos darmos tempo e espaço para deixar que nossos corpos sejam atravessados por estímulos mais demorados e complexos.
Mas você pode pensar: diante disso, qual o sentido de escrever textos em um blog? Ninguém vai ler!
Bom, certamente você tem razão. No entanto, se, por acaso, ao percorrer essas linhas você, de alguma forma, sentiu algum interesse por pensar no que está escrito, se desejou, por si mesmo(a), fazer da leitura um ponto de partida para trilhar algum caminho de pensamento e ação, posso dizer que o propósito do que resolvi começar a fazer se concretizou.
Quero escrever para produzir acontecimentos. Em mim mesmo, ao buscar ser afetado pelo mundo de outras formas, para que as experiências e os sentidos oriundos dessas experiências me ajudem a construir formas próprias de significar o mundo em palavras. E nos outros, se der a sorte de algum texto atravessar um leitor, gerando prazer ou incômodo, que obrigue esse corpo que lê a produzir algum movimento.
Nesse sentido, esse gesto de escrever pretende ser o transbordamento de um corpo que busca encontrar outros corpos, os quais também se permitem transbordar. Transbordar é derramar-se. Tudo o que derrama, acontece por que aquilo que o continha não tem mais condição de fazê-lo. Portanto, todo transbordamento é, ao mesmo tempo, a construção de novos contornos para o corpo que transborda. Só transbordam os corpos em movimento. E só percebemos as linhas de força que nos limitam quando transbordamos.
Porém, antes de começar a escrever esse texto, coloquei o título deste post no google para ver o que teria como resposta. E, dentre as inúmeras publicações que acessei para ver o que as pessoas pensam sobre esse assunto, em nenhuma delas encontrei um pensamento que se aproxime da perspectiva que estou propondo. Todas as postagens tinham a intenção de convencer o leitor de que ter um blog, nos dias de hoje, é interessante por 5 motivos.
Aumento da visibilidade da sua marca
Baixo custo para iniciar o projeto
Aumento da cartela de clientes e seguidores
Possibilidade de gerar renda com o próprio blog
Fidelização dos clientes
Vê-se, claramente, que é a perspectiva econômica que mobiliza as pessoas a produzirem a maior parte dos conteúdos que acessamos. Mas não uma lógica econômica qualquer. Um viés econômico que nos condiciona a gastarmos nossa energia apenas quando vislumbramos a obtenção de algum ganho futuro. Interessante pensar que somos condicionados a agir dessa maneira desde muito cedo. Um exemplo são os pais condicionando os seus filhos a fazer determinada coisa mediante uma premiação ou a não serem castigados. Outro exemplo está na escola, quando os alunos só se propõem a realizar alguma atividade mediante a promessa de uma nota para compensar o esforço.
Não estou defendendo, com essa argumentação, que as pessoas não devam ser pagas ou recompensadas pelo serviço que prestam ou pelo esforço que fazem. O que proponho pensar aqui é que reger a vida apenas por essa perspectiva utilitarista é empobrecedor do ponto de vista simbólico. Porque se agimos sempre voltados à obtenção de um ganho ou benefício futuro (seja esse benefício financeiro, político, afetivo, etc), estamos sempre trabalhando na produção de algo. Portanto podemos concluir que alguém que vive nessa perspectiva quase não possui tempo livre.
Na Grécia antiga existia uma palavra que significava tempo livre. É a palavra scholé, da qual deriva a nossa palavra escola. Daí que escola era o local no qual os alunos tinham tempo livre para pensar sobre as coisas do mundo, sobre a vida, sobre os acontecimentos que nos circundam. Ao se depararem com o mundo em sala de aula, eram instigados a criar suas próprias maneiras de ler a realidade.
Quando pedimos para um aluno escrever um texto sobre determinado assunto, o fazemos para que este possa, progressivamente, aprender a observar as coisas à sua volta, e a organizar sua própria maneira de pensar, em diálogo com outras formas de pensar, as quais encontramos nos livros que lemos. Conhecer mais sobre as coisas do mundo e ser capaz de pensar por si mesmo nos proporciona autonomia para lidar com as contingências, fazendo boas escolhas, tomando as melhores decisões.
Perceba que na perspectiva do tempo livre, aprender não é acumular conteúdos que precisam ser dominados para produzir alguma coisa que nos dê um ganho no futuro. Pelo contrário. Se o tempo é livre, agimos de acordo com nosso desejo. Nesse sentido é a vontade de realizar algo que nos leva a aprender, pois para produzir é preciso buscar conhecer o mundo que nos cerca.
A palavra scholé, em grego, é equivalente à palavra otium em latim. Portanto, o ócio é o tempo livre do trabalho que é realizado para obtenção de algum ganho futuro. Isso não significa que, no ócio, nós não fazemos nada. Significa que o ócio é o tempo em que fazemos as coisas apenas pelo prazer de fazê-las, sem que isso esteja condicionado a nenhuma expectativa futura.
E o que seria a negação do ócio? Em latim escrevemos negotium, que dá origem à palavra negócio. Então quando orientamos nossa vida apenas na perspectiva de ganhos imaginados futuramente, fazemos dela um negócio. Claro que a dimensão de negócio faz parte da vida, mas é importante nos darmos tempo e espaço para vivermos encontros e criações que são desinteressadas, ou seja, momentos em que não tentamos projetar o que deve acontecer para que a vida seja boa. Momentos em que apenas nos encontramos com nosso desejo. E tal encontro só pode acontecer no presente, nunca no futuro.
Portanto, se há de sua parte algum interesse em não se orientar por uma perspectiva utilitarista em relação à vida, talvez aqui pode ser um espaço em que você encontre algum tipo de identificação. De maneira nenhuma busco seguidores. Porque quero me contrapor, não apenas no discurso, mas também no próprio gesto de escrever e publicar, ao modelo econômico que orienta aquilo que é cotidianamente produzido.
Entenda este espaço como se fosse uma praça, um café, ou outro lugar que você tem prazer de ir e passar um tempo, seja conversando com alguém, fazendo outra atividade prazerosa ou apenas pensando na vida. Aqui não é um lugar para ser acompanhado. É um local para vir de vez em quando. Até porque existem muitos outros lugares por aí para serem visitados.
Porque não quero seguidores, vou escrever meus textos à medida que eles transbordarem das minhas experiências. Isso quer dizer que não haverá nenhuma métrica que oriente as postagens. Apenas o compromisso, comigo mesmo, de transformar afetos e imagens mentais em textos.
Se espero algo, é que esta seja uma paragem que fertilize bons encontros.
Sejam bem vindos!
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